Duas decisões recentes demonstram a intervenção judicial no sentido de, com base na equidade e na razoabilidade, revisar cláusulas penais de contratos de locação em shoppings centers. Na mais importante delas, publicada em meados de junho, o ministro Luís Felipe Salomão, do STJ – Superior Tribunal de Justiça decidiu ampliar para quatro aluguéis o valor da multa, antes definido em 2,34 aluguéis pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em abril, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve em seis aluguéis a multa contratual cobrada por um shopping a um ex-lojista, que a contestava afirmando ser o valor abusivo.
De acordo com especialistas em Direito Imobiliário do CSMV – Carvalho, Sica, Muszkat e Vidigal Advogados**, apesar de a Lei de Locações não estipular um critério para a cobrança da multa, criou-se um comportamento do mercado, lastreado em prática contratual, de que a multa também no contrato de locação em shopping center deveria se limitar a três aluguéis vigentes à época da rescisão. “Exatamente por ser praxe comercial, parte relevante da jurisprudência passou a considerar esse valor razoável, reduzindo em diversas ocasiões multas estipuladas em valores superiores a três aluguéis”, explica Luís Fernando de Lima Carvalho*, sócio responsável pela área de Direito Imobiliário do CSMV.
Carvalho ressalta que essa mesma lógica, em que pese a clareza do artigo 54 da Lei de Locações, era também aplicada aos contratos de locação em shopping center, ainda que apenas para reduzir o valor da multa proporcionalmente. “Mesmo a lei prevendo com clareza que em contratos de locação em shopping center devem prevalecer as condições livremente pactuadas, a jurisprudência por diversas vezes entendia que a multa superior a três aluguéis mensais era excessiva”, diz Carvalho, que também é professor de Direito Imobiliário em cursos de pós- graduação.
Lucas Costa Paim*, advogado do CSMV Advogados, ressalta que decisões contrárias a esse entendimento que até então vigorava vêm ganhando força nos últimos anos. “Com a crise que assolou o País, o judiciário passou a analisar de maneira mais criteriosa a questão da multa neste tipo de contrato de locação. É fato que o contrato de shopping center não pode ser visto como uma locação típica, há muito mais em jogo. Os serviços e público que o empreendimento proporciona ao locatário merecem ser ponderados pelo judiciário”, afirma Paim.
Entenda os casos
O ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, analisou recurso de um shopping center contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia reduzido o valor da multa que seria cobrada do locatário de seis para 2,34 aluguéis. O Tribunal paulista baseou-se no artigo 413 do Código Civil para aplicar um critério proporcional de cumprimento de um contrato de locação, que neste caso do shopping center era de 36 meses e o locatário já havia cumprido o período de 14 meses. No entanto, o ministro do STJ decidiu que o artigo 413 determina que seja utilizada a equidade e não a redução proporcional matemática.
Segundo o ministro Salomão, “as consequências econômicas da inexecução perpetrada pelos locatários podem ter proporções muito maiores, o que justifica uma redução mais comedida do valor pactuado a título de cláusula penal (a que estipula a multa). Assim, em vez de seis aluguéis, penso ser razoável a cobrança de quatro, com os consectários legais”. “Para embasar sua decisão, o ministro destacou, ainda, que a existência de lojas desocupadas em um shopping center prejudica o sucesso de todo o empreendimento comercial, com a possibilidade de consequências econômicas em virtude de inexecução dos contratos locatícios”, explica Paim.
Já o Desembargador Claudio Bueno de Godoy, da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, analisando o caso em que um lojista defendia que o valor de seis aluguéis de multa contratual cobrado pelo shopping center era abusivo, destacou que “a lei locatícia não estabelece limite especial para a cláusula penal”, e ressaltou ainda que, apesar da prática locatícia de mercado geralmente estipular uma multa de três aluguéis, a fixação de maior valor se justificava no caso, tendo em vista tratar-se de locação de shopping center, com período de dez anos de duração.
Multa X finalidade do negócio
“Ele reconheceu a atipicidade da relação locatícia envolvendo shoppings centers, bem como que um contrato que tenha maior duração não deva ter o mesmo tratamento de um de tempo menor. Reconheceu ainda que, em razão da natureza e finalidade do negócio, a redução da multa pactuada não se justificava”, diz Paim. Conforme os advogados do CSMV, faz pouco sentido equiparar uma locação típica com uma em shopping center, considerando toda a complexidade da relação comercial entre empreendedor e lojista. O empreendedor, além de construir o prédio no qual será feita a implantação do shopping center, organiza a concentração de serviços e lojas de acordo com as necessidades do mercado local, viabilizando a alta atratividade do negócio, explicam os advogados.
“Exatamente pela organização e concentração de atividades em um mesmo local é que milhares de consumidores se deslocam até os shoppings centers, seduzidos pela maior segurança, estacionamento, área de lazer, cinemas, teatros, praças de alimentação e, sobretudo, maior variedade de oferta de produtos. Ou seja, na prática, o locatário em shopping center não recebe apenas os seus clientes naturais, como também aqueles que, por força dessa estrutura, consomem os produtos e serviços fornecidos pelos demais lojistas. Por isto, parece-nos que a correta interpretação do artigo 413 aos shoppings centers deve considerar a natureza e finalidade do negócio que traz ao locatário vantagens que vão muito além da mera e simples cessão do uso do imóvel”, afirma Paim.
Por isso, para os advogados, a decisão do Superior Tribunal de Justiça demonstra que a jurisprudência caminha no sentido da razoabilidade determinada no artigo 413 do Código Civil, a luz do artigo 54 da Lei de Locações. “Apesar de inexistir um entendimento sedimentado na jurisprudência acerca de qual o montante ideal para a multa em contratos em shopping center, e acertadamente, em nossa visão, visto que cada contrato poderá demonstrar uma finalidade e negócio diverso, certo é que a jurisprudência tem trazido com maior razoabilidade a questão das multas contratuais em contratos de shopping center”, endossa Carvalho.
Contratos devem ser claros
Os advogados observam, entretanto, que a multa deve ser reduzida equitativamente pelo juiz, se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante for excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. “Não cabe ao locador em shopping center atribuir contratualmente uma multa desproporcional. É certo que há particularidades nesse tipo de contratação, as quais também justificam o acréscimo dos valores locatícios. A razoabilidade é, portanto, essencial. O artigo 413 permanecerá sendo aplicável a todos os casos, autorizando a intervenção judicial para, de acordo com as peculiaridades de cada contrato, verificar o quão razoável é a multa anteriormente ajustada”, diz Carvalho.
Tanto locadores como locatários devem ficar atentos a essas decisões recentes, alertam os especialistas do CSMV. “A ambas as partes interessa analisar muito bem a cláusula penal, inclusive deixando claro no contrato os motivos que a fazem chegar a determinado critério. Isso, com toda certeza, evitará contratempos no futuro”, aconselha Paim.
*Luís Fernando de Lima Carvalho – Sócio responsável pela área de Direito Imobiliário do Carvalho, Sica, Muszkat e Vidigal Advogados (CSMV), é Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária, é professor convidado de Direito Imobiliário, Direito Civil e Direito Processual Civil nos cursos de especialização da FAAP e da PUC São Paulo. Coordenador e autor do livro “A nova execução de títulos extrajudiciais”, escreveu também “Intermediação imobiliária e pontos de reanálise: a atuação do Conselho de Classe e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor”, publicado na obra “Estudos avançados de direito imobiliário”.
“*Lucas Costa Paim – Advogado atuante na área de Direito Imobiliário do Carvalho, Sica, Muszkat e Vidigal Advogados (CSMV), é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade SECOVI/SP.”
** CSMV Advogados – O Escritório nasceu do desejo de seus sócios de realizar uma advocacia empresarial com qualidade, mas mantendo o envolvimento direto dos sócios na condução dos casos, todos oriundos das mais importantes bancas jurídicas do país. O comprometimento em alcançar os melhores resultados aos seus clientes estão enraizados na cultura do CSMV Advogados e o modelo de atuação se mostrou vitorioso. O CSMV Advogados vem registrando expressivo crescimento, resultado também da equipe de advogados altamente qualificada que incorporou ao longo dos últimos anos. A união da expertise do corpo de profissionais, que entrega um trabalho de alto padrão, com um modelo personalíssimo de atendimento fez o Escritório crescer mais de 60% em 2016, um número muito expressivo. A evolução se deu em consequência do maior volume de clientes, atraídos pela excelente relação custo-benefício. Dessa maneira, a equipe teve de ser reforçada também e o número de advogados cresceu mais de 30% no ano passado. O CSMV está estruturado para ser “full service”, ou seja, atuar nas mais diversas áreas. Mas tem atuação destacada, principalmente, em Contencioso Cível/Consumidor, Empresarial, Imobiliário, Esportes e Entretenimento, Tributário, Planejamento Patrimonial e Sucessões, Trabalhista e Ambiental, para ressaltar apenas as principais. Desta maneira, atende grandes empresas importantes para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro e instituições dos mais variados setores, como automotivo, alimentação, esportivo, financeiro, varejo, energia e moda, entre outras áreas. Com forte foco na área empresarial, o Carvalho, Sica, Muszkat e Vidigal Advogados tem sólida atuação em Direito Societário, na constituição, reorganização e extinção de Sociedades; Fusões e Aquisições, fazendo Auditoria Legal, assessorando na estruturação de negócios, em todas as etapas de negociação e implementação, além de análises dos aspectos tributários dessas operações; Private Equity, desde a estruturação, aspectos tributários, negociação e acompanhamento dos investimentos até desinvestimentos; e Operações Financeiras Estruturadas, englobando securitização, estruturação de fundos de Investimento, operações de financiamento e concessão de crédito e análise dos aspectos tributários, além de consultas e estruturação de investimentos internacionais. O CSMV Advogados atua em todas as fases dos processos, seja na mediação, na arbitragem ou em demandas judiciais, atuando de modo vigoroso e com estratégias diferenciadas.